Papai estava na cozinha assistindo televisão. Eu podia vê-lo por meio da fresta em que havia na porta de meu quarto. Era sempre assim. Mamãe vinha até mim por volta das nove da noite, e jamais passava disso, dava-me um beijo na testa e dizia: “Deus te abençoe, meu menino”. Ela sequer imaginava a dor que eu sentia quando me deixava só. Demorei muito tempo para convencê-la daquela fresta, aquela mesma de que falei a pouco, por onde tentava descobrir o que papai assistia.
Pois bem, naquela noite, lembro-me do frio que fazia e do vento que batia na janela do meu quarto. Sabe aquele barulho perturbador que não deixa ninguém pregar os olhos por um instante? Era assim, horrível. Como poderia eu escutar o que o homem da TV estava falando para papai com aquele estrondo lá fora?
Num instante, porém, pude ver mamãe se aproximando do sofá onde papai estava sentado. Ela estava chorando e carregava uma mala vermelha em sua mão esquerda. Papai nem ao menos a olhou. Ele continuou vidrado naquele homem que não parava de falar. Mamãe desapareceu de minha vista. A porta bateu tão fortemente que fez papai baixar a cabeça e fitar o olhar na direção de meu quarto. Alguns segundos depois, cá do meu lado estava ele.
– Pedro. Disse-me papai. – Não precisa ficar preocupado, estarei sempre aqui do seu lado.
Eu era tão jovem e tão inocente, não tinha sequer chance de descobrir o que tudo aquilo significava. Papai tentou me explicar:
– Mamãe precisou partir, ela fará uma longa viagem. Mas, lembre-se filho, todos nós temos a proteção do nosso anjinho da guarda. Ele está ao nosso lado sempre, em qualquer momento, seja ele de dificuldade ou de alegria. Mamãe seguiu seu caminho e eu permanecerei ao seu lado sempre que puder...
– Papai, papai.
– O que é meu filho?
Olhando por entre os vidros da janela de meu quarto, eu disse:
– O anjinho da guarda da mamãe é aquele senhor de sobretudo preto que está esperando ela do outro lado da rua?
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