sábado, 26 de fevereiro de 2011

A arte de cozinhar

   Observava o movimento contínuo que ela fazia com a colher. Em poucos minutos não se podia mais distinguir os ingredientes. Todos aqueles meticulosos cuidados para depositar a quantia certa do produto não adiantara nada. Tudo o que restava era uma massa de coloração bege.

   Enquanto ela acrescentava um pouco disso, uma pitada daquilo, eu ia questionando. Não entendia a diferença que um grão poderia fazer naquele montante pastoso. Mesmo assim, pensei que ela devia saber o que estava fazendo, afinal, a comida dela era tão boa e eu mal podia esperar para provar o novo prato.

   Ontem fui eu mesma pôr em prática uma nova receita. Como era ingênua naquela época. Tão infantil. Fico imaginando o que vovó pensava de mim quando a interrogava sem parar.

   O meu prato, assim como o de vovó, também exigia concentração. Já pensou se esquecesse de algum ingrediente? Tudo estaria perdido! Lembrei-me de vovó, então. Ela parecia fazer as coisas com carinho, com amor. Acho que esses ingredientes faltam nos meus pratos.

   Ao seguir a lista da receita, fui pensando como quando era criança. E se o açúcar fosse a felicidade, poderia eu acrescentar um pouco mais? E se os temperos verdes representassem o mal, eu poderia excluí-los? Ah! O mel. O mel tinha cara de ser o amor. Sempre que vovó fazia algo com mel eu pedia para ela encher de mel. Coitadinha, ela achava que eu gostava mesmo de mel e fazia um esforço para fugir da receita que estava no papel.

   Certo dia, ela me puxou de canto para me contar algo que jurava ser importante. Ela disse que não podemos mudar o sabor das coisas que estão presentes em nossas vidas. Que nem tudo é doce e que nem tudo é feito com mel. Que os temperos verdes não são do mal e que as vezes demoramos muito tempo para entendê-los. Disse que um pouco de tudo é necessário para que o prato fique do jeitinho que a gente gosta, mesmo que não nos demos conta disso. Eu acreditei.    

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Por quê?

   Por quê? Você nunca parou para se perguntar por que algo acontece? Não queria falar disso hoje, mas parece que minha mente não quer seguir minha intenção, ou meu coração não deixa. Dia cinza, chuva, um vento gelado. Me lembra a tristeza. Parece até que ela tem forma, você não acha? Ela chega sempre assim, devagar, mas repentina, pode até vir com algum brilho, mas quando ela chega, parece que você pode vê-la, tocá-la. Sei lá. Não sei como explicar.

   Por quê? Por que a tristeza aparece em nossas vidas tão assim, de uma hora para outra, e parece nunca mais ir embora. Tem dias que ela chega a cansar a gente. Fala, fala, fala, enche meu ouvido de tanta asneira que fico sem saber o que pensar. Por que ela não se manda de uma vez. Ela sabe que não é bem vinda em minha casa e insiste em se aproximar.

   Por quê? Onde encontro as respostar para minhas perguntas? Aliás, por que alguém um dia inventou a palavra por quê? Por quê? Por quê? Só queria entender um pouco desse vazio que toma conta de mim nesses dias em que ela resolve me visitar.         

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Há quanto tempo

   Há quanto tempo andar de ônibus já não fazia mais parte de minha rotina. Me senti incomodada ao ver aquele monte de gente invadindo o meu espaço, e a desconfiança de que alguém sentasse ao meu lado só aumentava a sensação de pânico. Gente de todos os tipos e gostos. O cheiro, então, nem se fale. Passo uma, duas, três paradas e nada de alguém sentar-se ao meu lado. Solto um suspiro de alívio e começo a aproveitar a viagem.

   Cinco ou seis minutos depois o cenário muda. A paisagem é incrível, deixa minha mente flutuar em imaginações singulares. De repente, tudo muda. Sou despertada por uma senhora que diz: – Com licença. Olho para ela e confirmo a licença com um gesto. O assunto acabou. Minha mente já não conseguia ir tão longe e naquele instante só pensei em quantas descobertas poderia encontrar naquela mulher.

   Eu não era assim tão egoísta. Gostava de ouvir as histórias, de conversar durante aquele longo tempo perdido na estrada. Só tinha medo de que descobrindo um pouco mais da vida dos outros, eles acabassem desvendando meus mistérios.    

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Uma conversa de casais

   Era passada da uma da manhã quando ele resolveu deitar seu livro na cabeceira da cama e puxar papo com a mulher. Ela também lia, mas de uma leitura mais lenta e densa, sinto ainda o peso das palavras. A conversa tomou um tom caprichoso e depois da insistência, o assunto foi parar no lugar mais lindo e ao mesmo tempo obscuro daquele romance. E quem diz que alguém resolvia o dilema do casal. Um afirmava não ter se apaixonado pelo outro e o outro retrucava sem admitir a afirmação. Para os dois, o começo daquela união que já beirava os cinco anos era a mais pura tentativa de fugir da solidão, mas jamais uma paixão imediata.

   Seja lá o que uniu o jovem casal, de uma coisa tenho certeza: quando acaba a discussão, acaba a paixão, acaba o amor. Difícil descrever esse sentimento. Mais difícil ainda é diferenciar amor e paixão. Ponho mais um termo para complicar-lhes a definição – apego. E então, conseguirias vós me ajudar a descobrir o que une um casal? Ou melhor, do que um romance eterno (que nunca dura para sempre) é composto?

   Devo só mais umas palavrinhas. Não sei definir o amor e a paixão. O apego até saberia. Do que importa? Não sei o que eles representam na vida de duas almas que resolvem se unir. E, seja lá o que carrega essas almas e durante sabe-se lá quanto tempo, até aqui só tenho a agradecer ao outro que divide esta caminhada comigo. Então, ao meu amor J.P., devo dizer: – Eu te amo. Ou melhor: – Estou apaixonada por você. Ou: – O que sinto por você é apego. O que ei de dizer não fará diferença alguma, pois enquanto esse sentimento forte persistir, nós também estaremos ligados e como defini-lo agora, isso é o de menos.  

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Escolhas

   Nada como estar de férias, tirar o dia para descansar e escolher. Sim  escolher o sabor da geléia, se toma café ou chá, se veste preto ou branco, vestido é apropriado ou não? Acho que as mulheres entendem melhor disso!

   Em suma, só percebi o quanto se está diariamente limitado a escolhas quando precisei definir qual dos tantos livros lançados nas prateleiras daquela pequena biblioteca eu levaria para casa. Bom, o tamanho da biblioteca também não importa. O que me aflige e me preocupa mais é a péssima qualidade da literatura que está chegando a nossas mãos.

   Caro leitor, não estou com isso dizendo que o que lês agora se trata de literatura. Estou apenas revoltado. Confesso que passei uma boa parte de meu tempo de lazer por entre linhas incansáveis que muito pouco conhecimento me agregaram.

   E como escolher o melhor volume? Como saber o que é bom, o que vale a pena e o que é imprestável? Como pode um mundo de tantas escolhas não ter a escolha certa?

   Estava a meditar e pensei que, na verdade, não escolhemos nada, apenas decidimos entre um e outro. E decidir entre um e outro não é uma escolha justa. É como votar para Inter ou Grêmio no próximo Grenal ou qual dessas duas novelas você prefere ver de novo?

   Com medo de errar, porém, me torno a cada passo mais arcaica, substituindo a beleza das impressões atuais pela literatura densa de autores clássicos. Mas essa é somente a minha opção... e a sua, qual é?