quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O anjo da guarda


Papai estava na cozinha assistindo televisão. Eu podia vê-lo por meio da fresta em que havia na porta de meu quarto. Era sempre assim. Mamãe vinha até mim por volta das nove da noite, e jamais passava disso, dava-me um beijo na testa e dizia: “Deus te abençoe, meu menino”. Ela sequer imaginava a dor que eu sentia quando me deixava só. Demorei muito tempo para convencê-la daquela fresta, aquela mesma de que falei a pouco, por onde tentava descobrir o que papai assistia.

Pois bem, naquela noite, lembro-me do frio que fazia e do vento que batia na janela do meu quarto. Sabe aquele barulho perturbador que não deixa ninguém pregar os olhos por um instante? Era assim, horrível. Como poderia eu escutar o que o homem da TV estava falando para papai com aquele estrondo lá fora?

Num instante, porém, pude ver mamãe se aproximando do sofá onde papai estava sentado. Ela estava chorando e carregava uma mala vermelha em sua mão esquerda. Papai nem ao menos a olhou. Ele continuou vidrado naquele homem que não parava de falar. Mamãe desapareceu de minha vista. A porta bateu tão fortemente que fez papai baixar a cabeça e fitar o olhar na direção de meu quarto. Alguns segundos depois, cá do meu lado estava ele.

– Pedro. Disse-me papai. – Não precisa ficar preocupado, estarei sempre aqui do seu lado.

Eu era tão jovem e tão inocente, não tinha sequer chance de descobrir o que tudo aquilo significava. Papai tentou me explicar:

– Mamãe precisou partir, ela fará uma longa viagem. Mas, lembre-se filho, todos nós temos a proteção do nosso anjinho da guarda. Ele está ao nosso lado sempre, em qualquer momento, seja ele de dificuldade ou de alegria. Mamãe seguiu seu caminho e eu permanecerei ao seu lado sempre que puder...

– Papai, papai.

– O que é meu filho? 

Olhando por entre os vidros da janela de meu quarto, eu disse:

– O anjinho da guarda da mamãe é aquele senhor de sobretudo preto que está esperando ela do outro lado da rua?   

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Teste de resistência


Já eram dez da manhã e a janela do quarto permanecia fechada. Sob a escrivaninha, algumas cartas revelavam a dor dos últimos dias. O telefone tocou, criou-se a expectativa, mas não era ninguém especial. Não que não fosse especial realmente, mas não era quem se esperava que fosse. Podia ter aberto a veneziana, iluminaria o ambiente, traria vida àquele recanto sombrio, e olha que o dia estava lindo lá fora.

O livro foi a companhia de boa parte daquela manhã. A leitura é sempre tão envolvente que passaria horas e até mesmo noites inteiras mergulhada por entre páginas diversas. Romances são os meus preferidos. Não que não leia contos, biografias e até mesmo algo científico.

Tinha medo do aconteceria. Sentiria falta do jeito estranho e envergonhado, da pessoa fechada que era, do medo de ser incompreendida, do amor, das amizades.

A dorzinha foi surgindo e eu, um tanto que guiada pelo espírito de outros, fui deixando a escuridão tomar conta de minha alma para não sofrer tanto. No fim, sabia que tudo iria passar e que aquele era somente mais um teste de resistência. 

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Encantos Mil

Agora posso dizer por que o Rio de Janeiro é a cidade maravilhosa, cheia de encantos mil. Encantos que se manifestam ainda no ar, na vista maravilhosa da costa inteira e de um voo que parece aterrissar sobre o oceano.

As ruas um tanto sujas do centro da cidade e os adesivos alertando os ‘bueiros explosivos’ passam quase que despercebidos aos olhos dos turistas, que mais se encantam com a clareza da água do mar em contrate com o amarelo vivo da areia e o verde das plantas selecionadas que formam os jardins aparentemente naturais.

Perigoso? Sei lá. Quando pergunto todos dizem ser seguro, mas a imensa frota de táxis girando constantemente me faz pensar e repensar a resposta, principalmente à noite. Pode ser por comodidade, dizem uns. Sim, também optei por este motivo, razão que me deixava a alma tranquila. Na verdade, tranquila mesmo ficava somente depois de conferir e ter certeza de que não havia adquirido um serviço pirata. Enquanto alguns trabalham honestamente fazendo qualquer coisa para ganhar um trocado, desde encantar o público com pequenas mágicas nas ruas, outros se aproveitam da ignorância dos que chegam de longe. 

E se a contradição das belezas é grande, já que do Cristo e do Pão de Açúcar pode-se identificar os morros, complexos e favelas, imensa é também a presença de não cariocas. A terra dos esses espichados deve esconder seu povo atrás das lajes, pois o que mais se vê, e ouve, são línguas indecifráveis.

De qualquer forma, é inegável dizer que o Rio apaixona e se insere rapidamente dentro do coração. Mas, ei, digo isso da parte da cidade que dá prazer de olhar, aquela em que os famosos circulam durante o dia, e que é cenário de novela. Aquela em que você consegue sentar e conversar com o Carlos Drummond de Andrade.

Pena que não é essa a realidade da maior parte dos ‘donos’ daquela terra maravilhosa.   

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Algumas descobertas

A cadeira que compunha o espaço do quarto estava lotada de roupas sujas. Por cima da mistura do inverno e verão dos casacos pesados e as camisetas leves ainda se podia ver um aglomerado de sacolas e tralhas. O assento só não chamava mais atenção do que a prateleira de livros, coberta de folhas e pastas amassadas por todos os quantos.

No chão, as bolsas e travesseiros invadiam o marfim da madeira. As cobertas ainda estavam jogadas sobre a cama. A janela permanecia fechada, como num quarto escuro de uma prisão, onde os raios de sol são proibidos de entrar. O vento gelado e úmido que perpassava as frestas de madeira completava o cenário sombrio.

Dona Dina não era velha. Embora aparentasse uns 50, até hoje a discussão sempre beira os 35. Senhora de postura elegante, ela brincava com as crianças que passavam pela rua, cumprimentava os idosos e despejava uma esmola aqui e acolá.

A vizinhança sempre murmurava que a solteirona tivera uma filha e a abandonara num cesto de lixo. A menina sumira e a velha se trancara dentro de casa, vivendo eternamente com remorso. A criança jamais aparecera e, num dia comum, a Dona Dina fora encontrada morta dentro de casa.

A caixa do lixo era a única coisa que permanecia vazia no quarto. Dentro dela havia somente uma foto. Era bebê ainda, o que permitia questionamentos.

Impossível não reconhecer o próprio rosto. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Separação

No caminho para casa os olhos começaram a dar sinais de água. Era impossível conter as lágrimas que teimavam se formar a cada instante. Elas eram um misto de felicidade, emoção, surpresa, e quiçá dor. Aquele sofrimento aumentava as batidas do coração só de pensar na separação.

Que fazer longe daqueles que se ama quando jogar tudo dentro de uma mala já não é mais possível? O plano tinha falhado. O objetivo era não pensar, manter a cabeça reta e olhar sempre para frente. Pena que esqueci de colocar no papel onde o sentimento atuaria.

E claro que deu errado. Ele não tinha uma meta traçada, então foi se intrometendo até causar estrago. Destruição das boas, daquelas que deixam marcas para sempre. Elas partem comigo agora e podem ter certeza que nunca me deixarão. Resta agradecer por tudo. 

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Como ajudar

Precisava falar, pedir ajuda. Sentimento vazio que invade a alma de manhã cedo, melhor espantar. Uma vez ouvi certo alguém coletando dicas de como lidar com as pessoas que estão passando por um momento muito difícil.

Geralmente esses casos acontecem quando a morte resolve se intrometer. Ô sujeitinho engraçado, chega sem pedir licença, achando que é o dono da verdade e da vida. Da vida, para ser sincera, até hoje me questiono quem é o dono. 

Nada melhor do que oferecer ajuda, respondeu uma. A outra achou melhor algumas palavras de conforto. Um terceiro sugeriu somente companhia. Como ajudar? Sabe aquela falta que a gente sente? Difícil preencher espaços para ajudar a nós mesmos. 

As vezes chego à conclusão de que escrever é o momento de melancolia, ou, ao menos, o de questionamentos. Busco tantas respostas e tenho tanta ânsia de encontrar soluções concretas que talvez seja somente uma forma de desabafar, de deixar o que há dentro de mim se manifestar.

Preciso de ajuda.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O que esperar

Ela sentava todo dia no mesmo banco. Era praxe. Costume sofisticado de quem há anos depende dele para tudo. Dia frio, vento forte batendo no rosto. Ela vestiu o casaco e assim que desceu as escadas já saiu tirando o cachecol e se desfazendo toda, como novelo de lã. Esperava o trem passar.

Aquele dia tinha cara de multidão. Dito e feito. Ela sabia. Tinha até contado para o vendedor da feira que encontraria problemas para embarcar. Os dias frios e cinzas, resumia ela, são os mais feios.

Ouviu o barulho, o vento, e as portas abrindo. Na hora.

Saiu em disparada. Pôde até mesmo ouvir o respiro de alívio ao ter se acomodado no posto. As portas quase fechavam quando um senhor entrou. Com um ramalhete de rosas vermelhas e uma bengala, ele sofria um pouco para manter o equilíbrio.

Pobre senhor, pensou. E cedeu o lugar.

Quase o momento de partir, mais três paradas e um lugar vazio do lado daquele mesmo senhor. Ele olhou cabisbaixo. Ela aceitou o convite. Tinha idade para ser sua neta, quiçá bisneta. Sem nenhuma palavra, ele tirou uma das rosas do ramalhete e, com um sorriso, entregou à jovem.

O que esperar? Ela não esperava nada, apenas imaginava a senhora, mulher do senhor, em casa, esperando por ele. Saiu com um sorriso no rosto e uma lágrima no olhar. 

sábado, 23 de abril de 2011

Dilemas

Precisava muito escrever sobre os dilemas que as datas comemorativas causam em nossas vidas, mas eis um novo dilema. Não consigo abrir minha mente para expor algo interessante. Tudo que consigo lembrar é fruto de meus sonhos da noite passada.

Sonhei que precisava plantar várias mudas de diferentes espécies e todas essas “criancinhas” me pertenciam. O problema é que nunca tive plantinhas em minha volta e sequer algum dia me dei o luxo de tomar conta de alguma. Além do mais, quartos sem grama e quintal me impedem de tornar o sonho realidade.  

Preciso de ajuda. O que meu sonho quer dizer? Há aqueles que afirmam que sonhos são representações. Há aqueles que não acreditam, mas mesmo assim buscam atribuir a eles um significado. Preciso entender o meu.

Pensei há alguns instantes que talvez o meu desejo de “salvar o planeta” estivesse embutido nesse pensamento. Por menor que fosse minha ação, estamos cansados de ouvir que de grão em grão a galinha enche o papo.

Você pode estar se perguntando por que valorizar tanto algo sem tanto valor, a final, é só um sonho. Respondo-lhe amigo. Sabe aquele sonho que toca, aquele que você sente que não é por acaso e que seus instintos semióticos precisam ser ativados? É assim que me sinto. Talvez as mudas sejam de algum sentimento. Se for, espero que sejam de amor, ou de felicidade.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Desculpa

Um misto de sentimentos vagos e dolorosos. Nada mais justo do que iniciar com essas palavras para descrever a semana que passou. Tenho certeza de que aquelas cenas chocaram o mundo – crianças sendo mortas dentro da sala de aula, lugar onde se pensa estar em completa segurança.

Tenho em minha mente a escola como um espaço de aprendizagem e conhecimento e fico feliz por saber que aqui no Brasil muitas vezes, embora nem sempre, isso funcione de verdade. Então surge um certo alguém, que no momento sequer encontro palavras para descrevê-lo, e destroi o sonho de inúmeras crianças e acaba com famílias inteiras.

Então surgem os ‘ses’. Se ele não tivesse vendido a arma, se ele não tivesse aberto o portão, se ele não tivesse permitido sua entrada, se a segurança do país fosse melhor, se... Agora já é tarde. Os ‘ses’ já não adiantam mais. Os ‘brasileirinhos’, como se referiu a eles Dilma, já se foram. Encontrar culpados é perda de tempo.

Penso se fossem meus filhos. Enlouqueceria? Provavelmente. Não sou daquelas pessoas que conseguem erguer a cabeça tão facilmente e sinto o peso do fardo se triplicando em meus braços.

Desculpa nem sempre é a palavra certa para momentos de dor, ainda mais quando a dor nasceu de uma tragédia. Julgar também não é justo. Não gosto desse papel imperante e além do mais, tudo é relativo. Além de homenagens que, diga-se de passagem, não salvam a pátria, resta a nós brasileiros rezar por estes que se foram e principalmente para os que ficaram, para que a dor que os envolve possa diminuir aos poucos e se transformar apenas em saudade. 

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poetas

Quando ela se sentia triste, ficava grudada na parede da sala, num canto, olhando o dia passar. Era difícil dizer com precisão o que ela realmente transmitia com aquele gesto tão singular. Não sei como explicar direito. Imaginem a cena e me ajudem a decifrar. Confesso que aquele ‘criptograma’ se tornou meu passatempo durante anos.

Ela não era muito alta. Tinha cabelos louros, cacheados. Lembravam as cenas de anjo que costumamos ver por aí. Gostava do cabelo dela, mas o olho era o que mais me atraía. Quando tento descrever aquele olhar, bato de frente com a dúvida, a incerteza. Tinha medo do olhar e até hoje desconfio que ele era a chave para resolver minha charada.

As cores mesclavam conforme o dia. Na verdade, não sei dizer ao certo se tinha algo a ver com o humor ou com a luz solar, ou com os dois. Talvez ela mesma pudesse escolher. Ou era o meu próprio olhar que decidia. Azuis, verdes, castanhos. Só sei que eram lindos e atraentes.

Em meio a tanta beleza, era lá que ela se escondia. Disso eu tinha certeza. Com o tempo descobri que é assim que fazem os poetas, eles se escondem por entre suas mais distantes e profundas marcas. Mais do que isso, eles estão disfarçados em toda parte, do olhar da bela moça ao mendigo caído ao chão. Poetas, atores, inventores, mágicos. Mágicos da arte de unir palavras.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Ser e não ser

Pensei em fazer algo para não me repetir. Dia chuvoso, céu escuro, clima de serra gaúcha. Abri a janela do quarto e pude sentir aquele vento frio tocando minha pele. Não era inverno ainda, mas bem que podia ser. Por entre as portas do guarda-roupas fizgava com o olhar aquilo que iria me aquecer durante o dia. Difícil, ou melhor, cruel decisão a de escolher a roupa que se vai vestir, ainda mais para uma mulher.

O tempo gelado lembrava cores neutras. Imaginava um morron escuro ou preto, básico. Não foi o que acabei decidindo no final. E a pior decisão na verdade não se concentrava bem no vestuário. Qual seria o humor do dia? Estaria de cara fechada ou alegre? Já sei. Vai dizer que por que escolhi cores mais vivas o dia também vai ser mais feliz? Bobagem.

Os tons mesclavam entre rosa e azul. Azul da calça jeans, básica. E o que o rosa influenciaria no meu dia? Era só tropeçar no primeiro degrau do ônibus que meu dia inteiro teria ido para o lixo.

Nunca liguei muito para essas coisas de cores influenciarem ou não nossa motivação. Depois de certo tempo me dei conta de que inúmeras vezes nos deixamos levar por outras coisas bem menos perceptíveis.

Coisas? Que coisas? Aquelas que fizemos todos os dias quando acordamos. Aquele abrir de janela pronto para receber qualquer vibração e transformá-la na melhor possível. Aquele jesto simples frente a problemas enormes. Aquela atitude, sabe? Aquela que na maior parte das vezes ignoramos? Aquela de olhar o mundo com nossos olhos e de respeitar nossas próprias capacidades e as dos outros.

Nós escolhemos nosso dia. Nós escolhemos ser, ou não ser.

terça-feira, 22 de março de 2011

Certo olhar

Estava cansada. Não tinha como ir para casa. Resolvi ler um livro, promessa antiga que fiz a mim mesma e ainda não cumpri. Não aguentava segurar meus olhos abertos. Era um peso incrível. Minha pálpebra abria e fechava lentamente. Tudo que me preocupava naquele momento eram os outros. Tinha medo de que pudessem estar me vendo, me assistindo como se eu fosse a atração principal daquele palco.

Descobri que não estava só naquela pequena sala que compunha o todo. Um barulho chamou minha atenção. Asas debatendo e lá estava o pequeno inseto. Uma joaninha, igual aquelas que constumamos ver em livros infantis. A cor vermelha encantava junto às pontinhas pretas. Na verdade, o tamanho nunca condiz com o esperado. Não imagine algo grande. Parecia uma bolinha, minúscula. Linda!

Pensei em ajudá-la, já que o livro não prendia minha atenção e o sono estava me devorando. Passei um tempo virando e revirando aquela beldadezinha, mas não adiantava, ela parecia não gostar do que eu fazia e muito menos querer minha ajuda.

Resolvi não me mexer. Parei e comecei a observá-la. Entendi que minha intenção estava dificultando o seu plano, visto que não tinha compreendido o seu desejo. Entendi que as vezes acreditamos ser mais capazes do que os outros, mas nem sempre isso é fato. Muitas vezes ignoramos o pedido ao invés de oferecer a mão e quando oferecemos algo, geralmente a intenção não é a melhor.

Naquele dia, porém, a ideia era boa. Realmente queria ajudar. Ela, porém, me fez ver que compreender primeiro é melhor do que despender esforço ao léu.   

terça-feira, 8 de março de 2011

Homenagem às mulheres

Dia 08 de março.
Acordar cedinho e pensar:
Hoje é o Dia Internacional da Mulher, é o meu dia.
E o que muda em minha vida?
Talvez agora nada mais mude,
mas quem sabe como estaria sendo este presente se não fosse a história de luta de personagens tão importantes.

Não há diferença alguma entre raças, cores e gêneros.  
Mulheres representavam o sexo frágil.
Hoje dão um baile de competência.
São donas de casa, empresárias, estudantes, mães, cidadãos.

Azul, vermelho, rosa, amarelo, não importa.
Temos um dia nosso,
para representar todas as nossas conquistas, todas as dificuldades enfrentadas e todo o merecimento que está por vir.
Mas, no fundo, a verdade é uma só.
Não existe o dia da mulher.
Todos são os nossos dias.   

Feliz Dia da Mulher!

segunda-feira, 7 de março de 2011

Um dia de saudade

   Não sabia dizer exatamente o que sentia. A mesa estava repleta de trabalho. Muitos livros me esperavam. Tinha saudade daquele tempo de menino, em que uma única ideia enchia minha cabeça: jogar bola. Que garoto não sonha com isso? Aposto que a maioria.

   Ao longo do tempo meu sonho tinha se tornado outro. A sala em que escrevo era um de meus desejos. Um lugar só para mim. É silenciosa, cinza, como deve ser uma sala de trabalho, ao menos era assim que eu sempre a imaginava. Nos dias de chuva, podia ouvir o barulho do vento e os pingos batendo com força contra as vidraças.

   Meu filho também queria ser jogador de futebol. Nunca lhe dei uma bola, desejo devasso que poderia suicidar uma boa parte de sua vida. Minha mulher me culpa até hoje por isso. Mas eu sabia que ele não seria. Ele não tinha jeito, sabe, não tinha estilo para aquilo. Ele tinha cara mesmo era de empresário, ou médico.

   Ele se foi. Ele e a minha mulher também. Nunca acreditei nos seus desejos. Nunca incentivei seus sonhos. Sofri tanto com minhas imaginações que só queria evitar o pior para eles. Mas ela não entendia. Não entendia o porquê daquele ser tão egoísta, tão dono de si, tão controlador.

   Sinto falta deles. Jamais pensei que diria isso, mas sinto. Sinto uma dor forte aqui dentro toda vez que deles me recordo. Penso que poderia ter sido diferente. Hoje ela trabalha em turno integral. Ele está estudando sei lá o quê. Nunca mais vieram me visitar. Nem cartas, e-mails, nada. Eu também nunca fui.

   Permaneço na solidão. Espero o dia de sentir falta de, de sentir saudade de. Paro por um tempo, não mais do que cinco minutos. Paro para pensar em tudo que podia ter sido feito. Uso sempre a mesma forma verbal, aquela que une o passado ao futuro. Sinto que estou cada vez mais perto do abismo que via em meus sonhos e que a morte do tempo que tentei com tanto esforço evitar em meu filho agora me atinge em cheio.

   Um dia de saudade. 

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A arte de cozinhar

   Observava o movimento contínuo que ela fazia com a colher. Em poucos minutos não se podia mais distinguir os ingredientes. Todos aqueles meticulosos cuidados para depositar a quantia certa do produto não adiantara nada. Tudo o que restava era uma massa de coloração bege.

   Enquanto ela acrescentava um pouco disso, uma pitada daquilo, eu ia questionando. Não entendia a diferença que um grão poderia fazer naquele montante pastoso. Mesmo assim, pensei que ela devia saber o que estava fazendo, afinal, a comida dela era tão boa e eu mal podia esperar para provar o novo prato.

   Ontem fui eu mesma pôr em prática uma nova receita. Como era ingênua naquela época. Tão infantil. Fico imaginando o que vovó pensava de mim quando a interrogava sem parar.

   O meu prato, assim como o de vovó, também exigia concentração. Já pensou se esquecesse de algum ingrediente? Tudo estaria perdido! Lembrei-me de vovó, então. Ela parecia fazer as coisas com carinho, com amor. Acho que esses ingredientes faltam nos meus pratos.

   Ao seguir a lista da receita, fui pensando como quando era criança. E se o açúcar fosse a felicidade, poderia eu acrescentar um pouco mais? E se os temperos verdes representassem o mal, eu poderia excluí-los? Ah! O mel. O mel tinha cara de ser o amor. Sempre que vovó fazia algo com mel eu pedia para ela encher de mel. Coitadinha, ela achava que eu gostava mesmo de mel e fazia um esforço para fugir da receita que estava no papel.

   Certo dia, ela me puxou de canto para me contar algo que jurava ser importante. Ela disse que não podemos mudar o sabor das coisas que estão presentes em nossas vidas. Que nem tudo é doce e que nem tudo é feito com mel. Que os temperos verdes não são do mal e que as vezes demoramos muito tempo para entendê-los. Disse que um pouco de tudo é necessário para que o prato fique do jeitinho que a gente gosta, mesmo que não nos demos conta disso. Eu acreditei.    

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Por quê?

   Por quê? Você nunca parou para se perguntar por que algo acontece? Não queria falar disso hoje, mas parece que minha mente não quer seguir minha intenção, ou meu coração não deixa. Dia cinza, chuva, um vento gelado. Me lembra a tristeza. Parece até que ela tem forma, você não acha? Ela chega sempre assim, devagar, mas repentina, pode até vir com algum brilho, mas quando ela chega, parece que você pode vê-la, tocá-la. Sei lá. Não sei como explicar.

   Por quê? Por que a tristeza aparece em nossas vidas tão assim, de uma hora para outra, e parece nunca mais ir embora. Tem dias que ela chega a cansar a gente. Fala, fala, fala, enche meu ouvido de tanta asneira que fico sem saber o que pensar. Por que ela não se manda de uma vez. Ela sabe que não é bem vinda em minha casa e insiste em se aproximar.

   Por quê? Onde encontro as respostar para minhas perguntas? Aliás, por que alguém um dia inventou a palavra por quê? Por quê? Por quê? Só queria entender um pouco desse vazio que toma conta de mim nesses dias em que ela resolve me visitar.         

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Há quanto tempo

   Há quanto tempo andar de ônibus já não fazia mais parte de minha rotina. Me senti incomodada ao ver aquele monte de gente invadindo o meu espaço, e a desconfiança de que alguém sentasse ao meu lado só aumentava a sensação de pânico. Gente de todos os tipos e gostos. O cheiro, então, nem se fale. Passo uma, duas, três paradas e nada de alguém sentar-se ao meu lado. Solto um suspiro de alívio e começo a aproveitar a viagem.

   Cinco ou seis minutos depois o cenário muda. A paisagem é incrível, deixa minha mente flutuar em imaginações singulares. De repente, tudo muda. Sou despertada por uma senhora que diz: – Com licença. Olho para ela e confirmo a licença com um gesto. O assunto acabou. Minha mente já não conseguia ir tão longe e naquele instante só pensei em quantas descobertas poderia encontrar naquela mulher.

   Eu não era assim tão egoísta. Gostava de ouvir as histórias, de conversar durante aquele longo tempo perdido na estrada. Só tinha medo de que descobrindo um pouco mais da vida dos outros, eles acabassem desvendando meus mistérios.    

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Uma conversa de casais

   Era passada da uma da manhã quando ele resolveu deitar seu livro na cabeceira da cama e puxar papo com a mulher. Ela também lia, mas de uma leitura mais lenta e densa, sinto ainda o peso das palavras. A conversa tomou um tom caprichoso e depois da insistência, o assunto foi parar no lugar mais lindo e ao mesmo tempo obscuro daquele romance. E quem diz que alguém resolvia o dilema do casal. Um afirmava não ter se apaixonado pelo outro e o outro retrucava sem admitir a afirmação. Para os dois, o começo daquela união que já beirava os cinco anos era a mais pura tentativa de fugir da solidão, mas jamais uma paixão imediata.

   Seja lá o que uniu o jovem casal, de uma coisa tenho certeza: quando acaba a discussão, acaba a paixão, acaba o amor. Difícil descrever esse sentimento. Mais difícil ainda é diferenciar amor e paixão. Ponho mais um termo para complicar-lhes a definição – apego. E então, conseguirias vós me ajudar a descobrir o que une um casal? Ou melhor, do que um romance eterno (que nunca dura para sempre) é composto?

   Devo só mais umas palavrinhas. Não sei definir o amor e a paixão. O apego até saberia. Do que importa? Não sei o que eles representam na vida de duas almas que resolvem se unir. E, seja lá o que carrega essas almas e durante sabe-se lá quanto tempo, até aqui só tenho a agradecer ao outro que divide esta caminhada comigo. Então, ao meu amor J.P., devo dizer: – Eu te amo. Ou melhor: – Estou apaixonada por você. Ou: – O que sinto por você é apego. O que ei de dizer não fará diferença alguma, pois enquanto esse sentimento forte persistir, nós também estaremos ligados e como defini-lo agora, isso é o de menos.  

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Escolhas

   Nada como estar de férias, tirar o dia para descansar e escolher. Sim  escolher o sabor da geléia, se toma café ou chá, se veste preto ou branco, vestido é apropriado ou não? Acho que as mulheres entendem melhor disso!

   Em suma, só percebi o quanto se está diariamente limitado a escolhas quando precisei definir qual dos tantos livros lançados nas prateleiras daquela pequena biblioteca eu levaria para casa. Bom, o tamanho da biblioteca também não importa. O que me aflige e me preocupa mais é a péssima qualidade da literatura que está chegando a nossas mãos.

   Caro leitor, não estou com isso dizendo que o que lês agora se trata de literatura. Estou apenas revoltado. Confesso que passei uma boa parte de meu tempo de lazer por entre linhas incansáveis que muito pouco conhecimento me agregaram.

   E como escolher o melhor volume? Como saber o que é bom, o que vale a pena e o que é imprestável? Como pode um mundo de tantas escolhas não ter a escolha certa?

   Estava a meditar e pensei que, na verdade, não escolhemos nada, apenas decidimos entre um e outro. E decidir entre um e outro não é uma escolha justa. É como votar para Inter ou Grêmio no próximo Grenal ou qual dessas duas novelas você prefere ver de novo?

   Com medo de errar, porém, me torno a cada passo mais arcaica, substituindo a beleza das impressões atuais pela literatura densa de autores clássicos. Mas essa é somente a minha opção... e a sua, qual é?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Que tal o mar

   Depois de passar um tempo fechado em um quarto coberto de livros e compromissos, não podia deixar de falar de algo tão marcante, tão verdadeiramente profundo em minha vida, de algo que me faz lembrar as emoções, as tristezas, as dores do passado e jamais o tempo presente.

   Por que será que o mar me faz viajar em pensamentos abstratos? Por que será que ele tira meus pés do chão e me leva para tão longe? Há alguma explicação científica? Isso também acontece com você?  

   Bom, seja lá qual for o motivo, fico aqui a interrogar minha própria mente sobre os caminhos pelos quais passei durante o tempo em que o mar me guiava. Não posso dizer ao certo se era apenas um sonho ou se era verdade. Aquele cheiro de protetor solar, de pele queimando, o barulho intrigante de apitos e o choro de crianças. Tudo isso desaparecia ao som das ondas do mar quebrando por entre as rochas. Eu não precisava sequer abrir meus olhos. Eu podia sentir aquela beleza me tocando.  

   Ó mar! Queria que fosses minha amante. Mulher do tipo que toca o coração e nunca se afasta. Aquela que dorme grudada, que embeleza a alma e que afasta a solidão.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O arco-íris

   Um homem velho, de pele escura e barba comprida andava por entre os túmulos sombrios no crepúsculo daquela tarde. Ah! Aquela tarde, nunca ei de esquecê-la. Em meio ao choro de seres inconsolados, o único barulho do qual me lembro é o do caixão invadindo aquele espaço estreito e insuportável do túmulo. Mas aquele senhor me chamou a atenção. Ele parecia não ter direção, não ter para quem orar ou motivo para estar ali. Ao longe, procurei não causar impressão enquanto o observava. Ele podia ser o coveiro, o jardineiro, sei lá. Aquela situação lúgubre, que queimava o mais puro sentimento dos mortais, parecia não o atingir.

   Sem causar pânico ou constrangimento à minha família, dei um olhar de consolo a minha mãe e retirei-me. Enquanto admirava a beleza do sol por entre as nuvens que antes haviam lançado uma bomba de água à terra, senti que alguém se aproximava. Era aquele senhor. Ele sentou ao meu lado e tentou mirar o mesmo ponto que encantava meu olhar. O senhor falou baixinho, quase a sussurrar em meu ouvido:

   – Nossos olhos mentem. Aposto que você está procurando o início e o fim do arco-íris. Não há início, nem fim. O que importa é o sentimento que ele nos revela. Para isso, basta crer que ele existe.
   
   Sem entender muito as palavras do velho sábio e curiosa para descobrir de onde vinha tamanho conhecimento e o que ele fazia ali, encorajei-me a abrir a boca. Antes, porém, que pudesse formular alguma pergunta, o senhor olhou para mim e disse:

   – Não digas nada, sei que agora é confuso para você. Apenas reflita.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O medo das chuvas

   Não é de hoje que o caos se manifesta nos estados da região sudeste brasileira. O poder da água, que antes chegava como alívio para o calor intenso do verão, se transforma em medo e destruição. E agora José, o que fazer?

   Estava aqui a imaginar o que faria se toda essa catástrofe tomasse conta de minha vida. E o pior, não me desse tempo de pensar, de cogitar o que fazer, para onde correr, a quem pedir auxílio. Desistir? Talvez eu desistisse mesmo.

   Nobres daqueles moradores, que ao invés de se deixar levar pelas forças da água saíram às ruas e lutaram pela vida. E depois dizem que a nação brasileira não tem mais cara para pegar bandeiras e protestar. E o que está acontecendo hoje? Não é uma forma de protesto navegar na lama em busca de sobreviventes, como se fossem herois predestinados a salvar vidas?

   Talvez as pessoas não tenham mais energia para lutar contra a covardia de governantes corruptos, mas elas ainda têm coração para batalhar. A causa mudou. Agora a luta se intensifica pelo bem mínino e mais precioso de todos – a vida. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Os frios do vestibular

   A escolha do futuro, uma vida inteira debruçada sobre os livros, o temor de não dar certo, a agudez da felicidade ao encontrar o próprio nome em meio a um emaranhado de letras. São apenas alguns sentimentos que se fazem presentes na vida de um jovem. E quem disse que somente esses se preocupam com vestibular?
   
   Não estou querendo contar pontos àqueles que correm atrás de seus sonhos mesmo quando a idade talvez não os acompanhe mais. Refiro-me àqueles que sofrem calados, que temem perder para sempre o bem tão amado. Sim, esses mesmos. Os pais; amigos de infância; os que não o são de infância, mas sim puramente de coração; as paixões; os amantes e as amantes; os que se orgulham ao ter o nome do herdeiro estampado na porta de casa; os que simplesmente torcem pelo melhor desfecho seja ele qual for.
   
   Sinto uma força enorme invadindo meu peito e tomando conta de meu coração. E agora, para quem devo eu torcer?
   
   Devo torcer pela vertigem que alivia minha alma ao ter certeza de quem terei ao meu lado para sempre ou devo orar pela alegria que encheria de paz e felicidade o rosto de um amado? Por que não posso simplesmente torcer pela vitória? Por que preciso perder para ganhar, ou ganhar para perder?
   
   Qual seria o mérito final? Dois corações juntos de nada valem se um deles já não bater alegremente pelas façanhas da vida. E de nada adianta também dois corações distantes, em que os fios que os uniam anteriormente já não conseguem entrelaçar um ao outro. Nestes momentos, e só nestes momentos, acredito que o destino é uma união de esforço e sorte.    

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O nascimento de um blog

   Era um dia cinzento e triste, mas não daqueles em que nuvens espessas impedem a beleza dos raios de sol. Não falo disso. O dia era escuro em mim, de uma profundeza incrível e assustadora. Talvez fosse a solidão, refúgio da alma e do espírito. Não tenho certeza se a era, mas a sentia como se fosse. Imóvel, com os olhos vidrados na parede superior do quarto de dormir, perguntava a mim mesma qual era o sentido da existência. Há dias que nem o mais sábio dos homens sabe a esta pergunta responder.

   Decidi ter um filho. Quem sabe com ele pudesse dividir minhas tristezas e alegrias. Mas ele não era um bebê igual aos outros, e cá nasceu então meu filhote virtual. A este belo menino, devo a graça do tempo que ele despende a me amparar. E a você, leitor, só tenho a dizer um seja bem-vindo.