terça-feira, 26 de abril de 2011

O que esperar

Ela sentava todo dia no mesmo banco. Era praxe. Costume sofisticado de quem há anos depende dele para tudo. Dia frio, vento forte batendo no rosto. Ela vestiu o casaco e assim que desceu as escadas já saiu tirando o cachecol e se desfazendo toda, como novelo de lã. Esperava o trem passar.

Aquele dia tinha cara de multidão. Dito e feito. Ela sabia. Tinha até contado para o vendedor da feira que encontraria problemas para embarcar. Os dias frios e cinzas, resumia ela, são os mais feios.

Ouviu o barulho, o vento, e as portas abrindo. Na hora.

Saiu em disparada. Pôde até mesmo ouvir o respiro de alívio ao ter se acomodado no posto. As portas quase fechavam quando um senhor entrou. Com um ramalhete de rosas vermelhas e uma bengala, ele sofria um pouco para manter o equilíbrio.

Pobre senhor, pensou. E cedeu o lugar.

Quase o momento de partir, mais três paradas e um lugar vazio do lado daquele mesmo senhor. Ele olhou cabisbaixo. Ela aceitou o convite. Tinha idade para ser sua neta, quiçá bisneta. Sem nenhuma palavra, ele tirou uma das rosas do ramalhete e, com um sorriso, entregou à jovem.

O que esperar? Ela não esperava nada, apenas imaginava a senhora, mulher do senhor, em casa, esperando por ele. Saiu com um sorriso no rosto e uma lágrima no olhar. 

sábado, 23 de abril de 2011

Dilemas

Precisava muito escrever sobre os dilemas que as datas comemorativas causam em nossas vidas, mas eis um novo dilema. Não consigo abrir minha mente para expor algo interessante. Tudo que consigo lembrar é fruto de meus sonhos da noite passada.

Sonhei que precisava plantar várias mudas de diferentes espécies e todas essas “criancinhas” me pertenciam. O problema é que nunca tive plantinhas em minha volta e sequer algum dia me dei o luxo de tomar conta de alguma. Além do mais, quartos sem grama e quintal me impedem de tornar o sonho realidade.  

Preciso de ajuda. O que meu sonho quer dizer? Há aqueles que afirmam que sonhos são representações. Há aqueles que não acreditam, mas mesmo assim buscam atribuir a eles um significado. Preciso entender o meu.

Pensei há alguns instantes que talvez o meu desejo de “salvar o planeta” estivesse embutido nesse pensamento. Por menor que fosse minha ação, estamos cansados de ouvir que de grão em grão a galinha enche o papo.

Você pode estar se perguntando por que valorizar tanto algo sem tanto valor, a final, é só um sonho. Respondo-lhe amigo. Sabe aquele sonho que toca, aquele que você sente que não é por acaso e que seus instintos semióticos precisam ser ativados? É assim que me sinto. Talvez as mudas sejam de algum sentimento. Se for, espero que sejam de amor, ou de felicidade.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Desculpa

Um misto de sentimentos vagos e dolorosos. Nada mais justo do que iniciar com essas palavras para descrever a semana que passou. Tenho certeza de que aquelas cenas chocaram o mundo – crianças sendo mortas dentro da sala de aula, lugar onde se pensa estar em completa segurança.

Tenho em minha mente a escola como um espaço de aprendizagem e conhecimento e fico feliz por saber que aqui no Brasil muitas vezes, embora nem sempre, isso funcione de verdade. Então surge um certo alguém, que no momento sequer encontro palavras para descrevê-lo, e destroi o sonho de inúmeras crianças e acaba com famílias inteiras.

Então surgem os ‘ses’. Se ele não tivesse vendido a arma, se ele não tivesse aberto o portão, se ele não tivesse permitido sua entrada, se a segurança do país fosse melhor, se... Agora já é tarde. Os ‘ses’ já não adiantam mais. Os ‘brasileirinhos’, como se referiu a eles Dilma, já se foram. Encontrar culpados é perda de tempo.

Penso se fossem meus filhos. Enlouqueceria? Provavelmente. Não sou daquelas pessoas que conseguem erguer a cabeça tão facilmente e sinto o peso do fardo se triplicando em meus braços.

Desculpa nem sempre é a palavra certa para momentos de dor, ainda mais quando a dor nasceu de uma tragédia. Julgar também não é justo. Não gosto desse papel imperante e além do mais, tudo é relativo. Além de homenagens que, diga-se de passagem, não salvam a pátria, resta a nós brasileiros rezar por estes que se foram e principalmente para os que ficaram, para que a dor que os envolve possa diminuir aos poucos e se transformar apenas em saudade. 

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poetas

Quando ela se sentia triste, ficava grudada na parede da sala, num canto, olhando o dia passar. Era difícil dizer com precisão o que ela realmente transmitia com aquele gesto tão singular. Não sei como explicar direito. Imaginem a cena e me ajudem a decifrar. Confesso que aquele ‘criptograma’ se tornou meu passatempo durante anos.

Ela não era muito alta. Tinha cabelos louros, cacheados. Lembravam as cenas de anjo que costumamos ver por aí. Gostava do cabelo dela, mas o olho era o que mais me atraía. Quando tento descrever aquele olhar, bato de frente com a dúvida, a incerteza. Tinha medo do olhar e até hoje desconfio que ele era a chave para resolver minha charada.

As cores mesclavam conforme o dia. Na verdade, não sei dizer ao certo se tinha algo a ver com o humor ou com a luz solar, ou com os dois. Talvez ela mesma pudesse escolher. Ou era o meu próprio olhar que decidia. Azuis, verdes, castanhos. Só sei que eram lindos e atraentes.

Em meio a tanta beleza, era lá que ela se escondia. Disso eu tinha certeza. Com o tempo descobri que é assim que fazem os poetas, eles se escondem por entre suas mais distantes e profundas marcas. Mais do que isso, eles estão disfarçados em toda parte, do olhar da bela moça ao mendigo caído ao chão. Poetas, atores, inventores, mágicos. Mágicos da arte de unir palavras.