Observava o movimento contínuo que ela fazia com a colher. Em poucos minutos não se podia mais distinguir os ingredientes. Todos aqueles meticulosos cuidados para depositar a quantia certa do produto não adiantara nada. Tudo o que restava era uma massa de coloração bege.
Enquanto ela acrescentava um pouco disso, uma pitada daquilo, eu ia questionando. Não entendia a diferença que um grão poderia fazer naquele montante pastoso. Mesmo assim, pensei que ela devia saber o que estava fazendo, afinal, a comida dela era tão boa e eu mal podia esperar para provar o novo prato.
Ontem fui eu mesma pôr em prática uma nova receita. Como era ingênua naquela época. Tão infantil. Fico imaginando o que vovó pensava de mim quando a interrogava sem parar.
O meu prato, assim como o de vovó, também exigia concentração. Já pensou se esquecesse de algum ingrediente? Tudo estaria perdido! Lembrei-me de vovó, então. Ela parecia fazer as coisas com carinho, com amor. Acho que esses ingredientes faltam nos meus pratos.
Ao seguir a lista da receita, fui pensando como quando era criança. E se o açúcar fosse a felicidade, poderia eu acrescentar um pouco mais? E se os temperos verdes representassem o mal, eu poderia excluí-los? Ah! O mel. O mel tinha cara de ser o amor. Sempre que vovó fazia algo com mel eu pedia para ela encher de mel. Coitadinha, ela achava que eu gostava mesmo de mel e fazia um esforço para fugir da receita que estava no papel.
Certo dia, ela me puxou de canto para me contar algo que jurava ser importante. Ela disse que não podemos mudar o sabor das coisas que estão presentes em nossas vidas. Que nem tudo é doce e que nem tudo é feito com mel. Que os temperos verdes não são do mal e que as vezes demoramos muito tempo para entendê-los. Disse que um pouco de tudo é necessário para que o prato fique do jeitinho que a gente gosta, mesmo que não nos demos conta disso. Eu acreditei.
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